Em carta enviada ao amigo Manuel Bandeira, o poeta Mário de Andrade escreveu: pra mim, a melhor homenagem que se pode fazer a um artista é discutir-lhe as realizações, procurar penetrar nelas e dizer francamente o que se pensa”. Intrumentista, músico, maestro, professor, alfaiate, planejador urbano, Joaquim costurou ruas e praças, alinhavando o traçado urbanístico da cidade com seu juízo estético e sensibilidade musical.
Nasce cinco anos após a proclamação da República – em 16 de agosto de 1894 – e 24 anos após Itapecuru ter sido elevada à categoria de cidade. O segundo filho de Francelino Eugênio de Araújo e Ana Bezerra de Araújo, irmão de Raimundo, Patrício e Martiniano, completa – na sua plenitude – o currículo escolar que a cidade oferecia: o primário completo.
Indo além das oportunidades de instrução da época, ingressa na escola de música do maestro Sebastião Pinto ainda sem saber que estava apenas seguindo um chamado. Dizem que “a música escolhe o músico”, ou segundo Ludwig Van Beethoven, compositor alemão de música clássica, “milhares de pessoas cultivam a música, poucas porém têm a revelação dessa grande arte”. Aqueles que identificam de ouvido qualquer nota musical provocam espanto até entre os músicos mais experientes. Ao observar a facilidade com que o aluno assimilava a teoria musical e aprendia os mais variados instrumentos, o professor concluíra que Joaquim era um dos agraciados com a revelação dessa arte de que fala Beethoven.
Foi como arranjador musical que Joaquim se notabilizou. O arranjafor define o que cada instrumento irá fazer em uma composição musical, compondo a partitura específica para cada instrumento.
Do casamento com Maria José da Silva Araújo nasceram os filhos Bolivar, José, Antonia e Júlio.
Católico atuante, Joaquim era membro da Irmandade dos Vicentinos da Sociedade São Vicente de Paula, e, em seu patrimônio moral, conservava as virtudes vicentinas da abnegação de si mesmo, da fraternidade, prudência cristã, do amor ao próximo, da mansidão e humildade. Sua vida de exemplar dignidade foi um grande legado deixado a todos nós. Da sua força moral perpetrada em seus atos e acurado senso de cumpridor de deveres são as nossas maiores lembranças do homem Joaquim. Ingressar nessa Academia é tornar eternos todos esses valores em mim, na condição de neta de Joaquim Henrique de Araújo.
Agradeço ao presidente da Academia Maranhense de Letras, Benedito Buzar, pela generosidade e gentileza ao presentear-me com uma rica bibliografia que auxiliou minha pesquisa. Contribuíram também com os seus depoimentos os meus pais Alzerina e Júlio Araújo, os músicos José Santana e Cléber José Rodrigues e a professora Bernardina Trindade Gonçalves.
Poderia encerrar aqui, no entanto eu estava inquieta, as palavras do Mário de Andrade ecoavam na minha cabeça: “penetrar na obra do artista”, algo ficou faltando… e o Hino de Itapecuru? O que eu teria a acrescentar sobre a história do hino que fosse original e tivesse validade histórica? Foi tomada de grande emoção que li um texto que a professora Bernardina me enviou o qual ela foi guardiã por 46 anos.
Senhoras e senhores, por acreditar que tudo na vida tem um propósito, creio que um dos motivos de estar aqui e agora é para se a porta-voz esse documento histórico que o meu avô escreveu para vocês:
Hino Itapecuruense
Histórico Musical
Sebastião Pinto, mestre de música, nasceu na cidade de Monção, desse Estado, e veio para esta cidade em 1908, contratado por uma Sociedade formada entre amigos para organizar a música dessa terra. Logo iniciou seus trabalhos e já em 1912 regia uma bandinha composta por 18 figuras. Em 1913 o maestro voluntariamente escreveu a melodia do hino, instrumentou a sua música, levando a que seus dirigidos ensaiassem para que fosse executada em qualquer solenidade oficial. No entanto, o hino não pode ser apresentado ao público durante a permanência do competente maestro entre nós, pois em 1922, foi levado à cidade de Codó para reger uma orquestra pertencente a uma sociedade cinematográfica de exibição.
Durante muito tempo não se falou sobre a existência do nosso hino, e foi em 1953, quando da gestão do então prefeito João da Silva Rodrigues, que o Senhor Feliciano Carlos da Costa Lopes comunicou-lhe a existência do hino. Entusiasmado e surpreso, o prefeito incumbiu-lhe a missão de procurar esta música, para que fosse executada quando da inauguração da praça Gomes de Sousa. Feliciano era um dos discípulos do mestre, disse recordar-se daquela música e foi encarregado de reconstituí-la. Ele que há muito já abandonara a música, chamou a mim, Joaquim, e pediu-me que o auxiliasse naquela tarefa. Depois de haver cantado a referida música na minha presença, tomei a deliberação de reconstituir aquele hino de meu mestre. Depois de árduo trabalho, consegui uma aparência de osquestração do que ele me havia cantado. Infelizmente a praça não foi inaugurada como pretendia o senhor prefeito; entretanto o hino foi executado na posse do Sr. Abdalla Buzar Netto, também no cargo de prefeito dessa cidade, pela orquestra local, Jazz União, que eu regia.
Até a data de 1970, no hino não existia a letra.
Aproximando-se o centenário de quando Itapecuru-Mirim passou a cidade – 21 de Julho de 1970, foi quando o professor Luiz Gonzaga Bandeira de Melo escreveu uma letra e convidou-me para vermos se conseguíamos juntar a referida letra ao hino da música de Sebastião Pinto, mas foi necessário que eu fizesse várias modificações e repetição a fim de adaptarmos a letra sem entretanto degenerar a música de meu mestre. Esse é o arranjo de Joaquim Henrique de Araújo.
O hino foi cantado pela primeira vez no dia 21 de Julho de 1970, às 10h na praça Gomes de Sousa, por um coral composto por 101 professores em homenagem ao centenário desta cidade ante a presença de autoridades civis, militares e eclesiásticas, que o aplaudiram com intensas salvas de palmas.
Itapecuru-Mirim, 22 de julho de 1973
Joaquim Henrique de Araújo